O texto abaixo foi publicado por ocasião da morte estúpida de Tarcila Gusmão e Maria Eduarda, ambas de 16 anos, em uma cidade do litoral nordestino.
Depois de 13 dias desaparecidas, os pais revelaram “desconhecer” os proprietários da casa onde as filhas tinham ido “curtir” o final de semana.
A tragédia abalou a opinião pública, e após vários anos o crime permanece sem solução.
“MÃES E PAIS MAUS”
Um dia quando nossos filhos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, haveremos de dizer-lhes:
- Nós os amamos o suficiente para ter perguntado aonde iam, com quem iam, e a que horas regressariam.
- Nós os amamos o suficiente por não termos ficado em silêncio e fazer com que vocês soubessem que aquele novo amigo ou amiga, não era boa companhia.
- Nós os amamos o suficiente para os fazer pagar as balas que tiraram do supermercado ou revistas do jornaleiro, e os fazer dizer ao dono: “Nós pegamos isto ontem e queríamos pagar”.
- Nós os amamos o suficiente para ter ficado em pé junto de vocês, duas horas, enquanto limpavam o seu quarto, tarefa que teríamos feito em quinze minutos.
- Nós os amamos o suficiente para os deixar ver além do amor que sentíamos por vocês, também o desapontamento e a tristeza por algo que vocês fizeram, e as lágrimas nos nossos olhos.
- Nós os amamos o suficiente para os deixar assumir a responsabilidade das suas ações, mesmo quando as penalidades eram tão duras que partiam nossos corações.
- Mais do que tudo, nós os amamos o suficiente para dizer-lhes “não”, quando sabíamos que vocês poderiam nos odiar por isso (e em muitos momentos nos odiaram, talvez tenham desejado até nossa morte).
Essas eram as mais difíceis batalhas de todas.
Poderíamos ficar mais felizes se tivéssemos a certeza que vocês estão vencendo, pois a vitória de vocês seria também a nossa vitória, mas nos parece que estão enfrentando dificuldades, algumas poderiam ter sido evitadas, fomos chatos o suficiente para alertá-los sobre os perigos, mas enfim, daqui para frente deverá haver luta, determinação e principalmente, honestidade e correção em suas atitudes, pois em grande parte de suas vidas, o que não vai demorar, seremos apenas uma foto na parede.
E se algum dia, quando nossos netos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, quando lhes perguntarem se seus pais eram maus, digam-lhes:
“Sim, nossos pais eram maus. Eram os piores pais do mundo”.
- As outras crianças comiam doces no café e nós tínhamos que comer cereais, ovos e torradas.
- As outras crianças bebiam refrigerantes e comiam batatas fritas e sorvete no almoço, e nós tínhamos que comer arroz, feijão, carne, legumes e frutas.
- Eles nos obrigavam jantar à mesa, bem diferente dos outros pais que deixavam seus filhos comerem vendo televisão.
- Nossos pais tinham que saber quem eram nossos amigos, e o que fazíamos com eles.
- Insistiam que lhes disséssemos com quem íamos sair, mesmo que demorássemos apenas uma hora ou menos.
- Eles “violavam” as leis do trabalho infantil.
- Nós tínhamos que tirar a louça da mesa, arrumar nossas bagunças, esvaziar o lixo, e fazer todo esse tipo de trabalho que achávamos cruéis.
- Eu acho que eles nem dormiam à noite pensando em coisas para nos mandar fazer.
- Eles insistiam sempre conosco para que lhes disséssemos sempre a verdade e apenas a verdade.
- Quando éramos adolescentes, tínhamos certeza, eles conseguiam até ler os nossos pensamentos.
- A nossa vida era a pior de todas.
- Eles não deixavam os nossos amigos tocarem a buzina para que saíssemos, tinham que subir, bater à porta para que os conhecessem.
- Enquanto todos podiam voltar tarde da noite com 12 anos, tivemos que esperar pelos 16 para chegar um pouco mais tarde, e aqueles dois chatos levantavam sorridentes para saber se a festa tinha sido boa (mentira, só para ver qual era nosso estado e olhar nossos olhos se estavam vermelhos).
- Eles exigiam que os respeitássemos a todo o custo, que tivéssemos uma igreja, que estudássemos, que não faltássemos à faculdade, insistiam em saber onde estávamos a toda hora, tocavam nosso celular de madrugada, “fuçavam” nos nossos emails e bilhetes, invadiam a nossa privacidade espionando nossos bolsos, nossas gavetas, nossas carteiras, nossa vida era um inferno, não tínhamos um minuto de paz...era praticamente uma prisão.
Meus filhos, diante do que mencionamos anteriormente, e já no limite insuportável do desespero, recordando as muitas experiências que perdemos em nossa adolescência e juventude, não nos restou outra alternativa senão convocarmos nossos pais e lhes informarmos que havíamos instituído um tribunal, os dois foram devidamente julgados, condenados, e lhes apresentamos a sentença final, inapelável:
- “VOCÊS NOSSOS PAIS AQUI PRESENTES, FORAM OS ÚNICOS E ABSOLUTAMENTE RESPONSÁVEIS POR NENHUM DE NÓS JAMAIS NOS ENVOLVERMOS EM DROGAS E OUTROS VÍCIOS, EM ROUBOS, EM ATOS DE VANDALISMOS, EM VIOLAÇÃO DA PROPRIEDADE ALHEIA, POR NÃO TERMOS SIDO PRESOS POR NENHUM CRIME, POR IDENTIFICARMOS IMEDIATAMENTE AS MÁS COMPANHIAS, E PRINCIPALMENTE, POR TERMOS APRENDIDO A LUTAR CORRETAMENTE POR NOSSAS VIDAS.”
“NÓS OS RESPONSABILIZAMOS DIRETAMENTE POR TUDO ISSO”
Agora que já somos adultos, honestos, educados, e temos vocês como nossos filhos, iremos fazer o possível e o impossível para sermos “PAIS MAUS”, da mesma forma que demonstrando muito amor, foram nossos pais.
Porque???
Porque um dos piores males do mundo de hoje, é que não há mais Pais e Mães “maus”...antes eram esses “maus” que mandavam...hoje em milhares de famílias são os filhos que mandam...muitos desses filhos estão mandando de dentro das cadeias...para esses filhos o caminho largo foi o mais fácil...para eles foi mais interessante obedecer o outro lado da vida...