quinta-feira, 28 de abril de 2011

Para nossos filhos, netos...


O texto abaixo foi publicado por ocasião da morte estúpida de Tarcila Gusmão e Maria Eduarda, ambas de 16 anos, em uma cidade do litoral nordestino.

Depois de 13 dias desaparecidas, os pais revelaram “desconhecer” os proprietários da casa onde as filhas tinham ido “curtir” o final de semana.

A tragédia abalou a opinião pública, e após vários anos o crime permanece sem solução.


“MÃES E PAIS MAUS”

Um dia quando nossos filhos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, haveremos de dizer-lhes:

- Nós os amamos o suficiente para ter perguntado aonde iam, com quem iam, e a que horas regressariam.

- Nós os amamos o suficiente por não termos ficado em silêncio e fazer com que vocês soubessem que aquele novo amigo ou amiga, não era boa companhia.

- Nós os amamos o suficiente para os fazer pagar as balas que tiraram do supermercado ou revistas do jornaleiro, e os fazer dizer ao dono: “Nós pegamos isto ontem e queríamos pagar”.

- Nós os amamos o suficiente para ter ficado em pé junto de vocês, duas horas, enquanto limpavam o seu quarto, tarefa que teríamos feito em quinze minutos.

- Nós os amamos o suficiente para os deixar ver além do amor que sentíamos por vocês, também o desapontamento e a tristeza por algo que vocês fizeram, e as lágrimas nos nossos olhos.

- Nós os amamos o suficiente para os deixar assumir a responsabilidade das suas ações, mesmo quando as penalidades eram tão duras que partiam nossos corações.

- Mais do que tudo, nós os amamos o suficiente para dizer-lhes “não”, quando sabíamos que vocês poderiam nos odiar por isso (e em muitos momentos nos odiaram, talvez tenham desejado até nossa morte).

         Essas eram as mais difíceis batalhas de todas.

         Poderíamos ficar mais felizes se tivéssemos a certeza que vocês estão vencendo, pois a vitória de vocês seria também a nossa vitória, mas nos parece que estão enfrentando dificuldades, algumas poderiam ter sido evitadas, fomos chatos o suficiente para alertá-los sobre os perigos, mas enfim, daqui para frente deverá haver luta, determinação e principalmente, honestidade e correção em suas atitudes, pois em grande parte de suas vidas, o que não vai demorar, seremos apenas uma foto na parede.

         E se algum dia, quando nossos netos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, quando lhes perguntarem se seus pais eram maus, digam-lhes:

“Sim, nossos pais eram maus. Eram os piores pais do mundo”.

- As outras crianças comiam doces no café e nós tínhamos que comer cereais, ovos e torradas.

- As outras crianças bebiam refrigerantes e comiam batatas fritas e sorvete no almoço, e nós tínhamos que comer arroz, feijão, carne, legumes e frutas.

- Eles nos obrigavam jantar à mesa, bem diferente dos outros pais que deixavam seus filhos comerem vendo televisão.

- Nossos pais tinham que saber quem eram nossos amigos, e o que fazíamos com eles.

- Insistiam que lhes disséssemos com quem íamos sair, mesmo que demorássemos apenas uma hora ou menos.

- Eles “violavam” as leis do trabalho infantil.

- Nós tínhamos que tirar a louça da mesa, arrumar nossas bagunças, esvaziar o lixo, e fazer todo esse tipo de trabalho que achávamos cruéis.

- Eu acho que eles nem dormiam à noite pensando em coisas para nos mandar fazer.

- Eles insistiam sempre conosco para que lhes disséssemos sempre a verdade e apenas a verdade.

- Quando éramos adolescentes, tínhamos certeza, eles conseguiam até ler os nossos pensamentos.

- A nossa vida era a pior de todas.

- Eles não deixavam os nossos amigos tocarem a buzina para que saíssemos, tinham que subir, bater à porta para que os conhecessem.

- Enquanto todos podiam voltar tarde da noite com 12 anos, tivemos que esperar pelos 16 para chegar um pouco mais tarde, e aqueles dois chatos levantavam sorridentes para saber se a festa tinha sido boa (mentira, só para ver qual era nosso estado e olhar nossos olhos se estavam vermelhos).

- Eles exigiam que os respeitássemos a todo o custo, que tivéssemos uma igreja, que estudássemos, que não faltássemos à faculdade, insistiam em saber onde estávamos a toda hora, tocavam nosso celular de madrugada, “fuçavam” nos nossos emails e bilhetes, invadiam a nossa privacidade espionando nossos bolsos, nossas gavetas, nossas carteiras, nossa vida era um inferno, não tínhamos um minuto de paz...era praticamente uma prisão.

         Meus filhos, diante do que mencionamos anteriormente, e já no limite insuportável do desespero, recordando as muitas experiências que perdemos em nossa adolescência e juventude, não nos restou outra alternativa senão convocarmos nossos pais e lhes informarmos que havíamos instituído um tribunal, os dois foram devidamente julgados, condenados, e lhes apresentamos a sentença final, inapelável:

- “VOCÊS NOSSOS PAIS AQUI PRESENTES, FORAM OS ÚNICOS E ABSOLUTAMENTE RESPONSÁVEIS POR NENHUM DE NÓS JAMAIS NOS ENVOLVERMOS EM DROGAS E OUTROS VÍCIOS, EM ROUBOS, EM ATOS DE VANDALISMOS, EM VIOLAÇÃO DA PROPRIEDADE ALHEIA, POR NÃO TERMOS SIDO PRESOS POR NENHUM CRIME, POR IDENTIFICARMOS IMEDIATAMENTE AS MÁS COMPANHIAS, E PRINCIPALMENTE, POR TERMOS APRENDIDO A LUTAR CORRETAMENTE POR NOSSAS VIDAS.”

“NÓS OS RESPONSABILIZAMOS DIRETAMENTE POR TUDO ISSO”

         Agora que já somos adultos, honestos, educados, e temos vocês como nossos filhos, iremos fazer o possível e o impossível para sermos “PAIS MAUS”, da mesma forma que demonstrando muito amor, foram nossos pais.

         Porque???

         Porque um dos piores males do mundo de hoje, é que não há mais Pais e Mães “maus”...antes eram esses “maus” que mandavam...hoje em milhares de famílias são os filhos que mandam...muitos desses filhos estão mandando de dentro das cadeias...para esses filhos o caminho largo foi o mais fácil...para eles foi mais interessante obedecer o outro lado da vida...


quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Astronauta


            Aproximou-se da linda moça e perguntou-lhe o nome. Ela o encarou de alto a baixo antes de responder.
         - Brigitte. Você é alguma pessoa importante? Digo isso porque só me relaciono com gente fina, de renome. Você só vai me ver ao lado de artistas famosos, profissionais de alta costura, presidentes e grandes escritores. Portanto, para que minha imagem fique preservada, antes de conversarmos preciso saber se você é pessoa importante.
         Ele de olho fixo nos dela ficou presenciando sua beleza incomparável, e concordou que de fato ela poderia chamar-se Brigitte.
         - Sou pessoa muito importante sim. Sou astronauta, e aquela é minha nave. Se você for boazinha posso levá-la a passear comigo. Grandes nomes nela navegaram pelo espaço sideral. Chamo-me Gagarin, e conheço muito bem o espaço, inclusive já estive na lua. Pensando bem, recordo-me que assisti vários dos seus filmes, inclusive se me permite, sou seu fã.
         - Também ouvi falar de você Gagarin, posso passar a mão na sua nave?
         Ela alisava a nave boquiaberta, os que passavam olhavam com inveja, ela se engrandecia. Ele apontava para o céu nos locais em que já havia navegado, abria os braços e mostrava como a nave se desviava dos asteróides, e grandioso a informava como todas as barreiras do espaço por ele foram superadas.
         Sentiu um frio de medo quando ele a convidou para uma voltinha no espaço.
         - Não precisa temer absolutamente nada, sou o maior dos astronautas, eu a levarei em segurança por entre as estrelas – ela concordou, e de mãos dadas caminharam em direção à nave.
         Ele fez com que ela vestisse a roupa apropriada e partiram rumo ao espaço infinito.
         - Segure firme, caso sinta medo feche os olhos por alguns instantes, mas depois abra-os para admirar a beleza do azul imenso – viajaram por horas até retornarem.
         - Gagarin, se você soubesse como estou feliz, você é a pessoa mais importante da minha vida, supera a todos que conheço.
         - Puxa Brigitte, que bom, quer ir até a lua?
         Felizes entraram novamente na nave e se dirigiram ao espaço rumo à lua.
         No pátio, um enfermeiro chamava a atenção do outro para a estranhíssima posição em que se encontravam aquela feiosa e o sujeito doidão recém internado.
         Não é por nada não, mas pareciam flutuar.


quinta-feira, 14 de abril de 2011

Para um amigo


Não vou dizer que desconfio da minha mulher, mas confesso que por diversas vezes imagino que pela cabeça da madame, não passam idéias lá muito boas, isso desde que mudou para cá o vizinho do 455.
Fazíamos compras mensais, agora são feitas aos picadinhos. Dirige-se à quitanda pelo menos umas quatro vezes ao dia, sem contar as idas ao açougue, isso tudo só para passar na porta (e janela) do 455.
Outro dia ao fazer uma campana na minha querida, ao melhor estilo policial, flagrei-a num alegre tchauzinho, e muito embora ela tenha jurado que foi para mim, não acreditei, há anos ela não faz isso.
Há tanto tempo morando nesta rua, agora ela resolveu fazer amizade com a vizinha ao lado do 455, até então considerada insuportável pela minha esposa, e vira e mexe lá está ela em longos bate-papos. E o ciclano que já deve ter percebido a quedinha da minha mulher pela sua pessoa, fica gastando o cotovelo na janela feito uma candinha vendo a banda passar. Reclamei certa vez quando ela vinha da feira e o tal prontificou-se para trazer o carrinho até o nosso portão, numa gentileza sem limites, envenenado gritei: - Só faltava o atrevido entrar e colocar as frutas e legumes nas gavetas da geladeira, não é mesmo? Ela retrucou em prantos que meu coração era duro e insensível, que o pobre morava só, não tinha ninguém, disse ainda que pelas mentes deturpadas só passam coisas ruins.
A calçada de casa nunca foi tão lavada como nos últimos tempos, prova disso é a conta de água que aumentou consideravelmente. Outro dia pensei em rasgar ou dar fim naquele short insinuante e provocante que estava guardado e atualmente ela vem usando quando lava a calçada, mas refletindo considerei que a coisa não é bem por aí.
Diversas noites fingindo dormir, peguei-a diante do espelho usando aqueles cremes de beleza e enrijecedor de seios, fora as massagens nas pernas com produtos para combater celulite e flacidez. Tudo isso me leva a crer - essa mulher está mesmo é de miolo mole.
Tenho rezado de joelhos, feito promessas que juro pagar, porém até agora os resultados foram nenhum. Venho implorar ao amigo que juntamente com sua família e outros amigos, iniciem uma corrente de orações para que livrem minha mulher de qualquer pensamento de traição, e que ela enxergue somente a mim.
Caso isso seja impossível, fazer mudar para bem longe, se for o caso lá prá conchichina, o infeliz do 455.


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um certo Domingo...


-O que cê tem?
          - Mô, to falando contigo! O que cê tem?
- Nada benzão, to quieto, só isso. Porque?
- É que você tá um tempão aí sentado olhando pro alto.
- Nada não.
- Como nada não? Quase nunca você fica assim.
- Tô um pouco nostálgico hoje.
- Nostálgico? Ué, porque?
- É que hoje é domingo, só isso.
- E o que tem que hoje é domingo?
- Aos domingos fico um pouco assim amor, amanhã tenho que trabalhar.
- Só que hoje tá diferente, você tá muito esquisito.
- Esquisito eu? Porque?
- Tá sim. Tô observando.
- Então o que a senhora tá observando?
- Você nem ligou a televisão ainda.
- É que agora não tem nada que presta.
- E o futebol?
- Futebol é só às quatro amor.
- Mesmo assim, você tá muito estranho hoje.
- Era o que faltava, você cismar comigo justo hoje.
- Quer dizer que tô cismada à toa é?
- Claro que tá. Depois do almoço gosto de ficar quieto.
- Almoço? Você falou almoço?
- Sim amor, almoço. Porque?
- Pensa que não te observei no almoço é?
- Pronto, lá vem você com mais coisa.
- Mais coisa não senhor. Olha só, fiz teu prato no maior carinho e você nem tocou na comida. Joguei tudo fora.
- É que tô meio sem fome hoje.
- Meio sem fome é! Você ao menos imagina o trabalhão de deu pra fazê o almoço?
- Tô sem fome, fazê o que?
- Só pra teu governo, levantei cedinho e fiz aquela macarronada ao molho branco com cogumelos e presunto picado que o senhor nem notou. Fiz também frango assado com batatas e salada de rúcula com espinafre que você adora.
- Fazê o que, não dá pra comer sem fome.
- Devia ter comido pelo menos a sobremesa, não é mesmo?
- Sobremesa??
- Sim, sobremesa - gelatina de framboesa que você pede sempre, aposto que nem viu!!
- Vi sim, é que sem fome não dá pra comer nada amor.
- Tá vendo só! E você ainda diz que não tem nada. Como não tem nada?
- Amor, será que eu podia ficá um pouco quieto? Posso?
- Tá bom, tá bom, então fica aí olhando pro nada, certo?
- Vou ficá sim, por favor!
- Tá, tá, mas pelo menos posso fazê uma última pergunta? Posso?
- Claro que pode amor, vai!
- O que cê tem?
- Não tenho nada, pô!


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Menino



Menino, vem pra dentro, olha o sereno! Vai lavar essa mão. Já escovou os dentes? Toma a benção a seu pai. Já pra cama!
Onde aprendeu isso menino? – coisa mais feia. Toma modos. Hoje você fica sem sobremesa. Onde é que você estava? Agora chega, menino, tenha santa paciência.
De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Isso, assim que eu gosto: menino educado, obediente. Está vendo? É só a gente falar. Desce daí, menino! Me prega cada susto...para com isso! Joga isso fora. Uma boa surra dava jeito nisso. Que é que você andou arranjando? Quem te ensinou esses modos? Passe pra dentro. Isso não é gente para ficar andando com você.
Avise seu pai que o jantar tá na mesa. Você prometeu, tem de cumprir. Que é que você vai ser quando crescer? Não, chega: você já repetiu duas vezes. Por que você está quieto aí? Alguma coisa está tramando...não anda descalço, já disse! – vai calçar o sapato. Já tomou remédio? Tem de comer tudo, você tá virando um palito. Quantas vezes já te disse para não mexer aqui? Esse barulho, menino! – teu pai tá dormindo. Para com essa correria dentro de casa, vai brincar lá fora. Você vai acabar caindo daí. Pede licença a seu pai primeiro. Isso é maneira de responder à sua irmã? Se não fizer, fica de castigo. Segura o garfo direito. Põe a camisa pra dentro da calça. Fica perguntando, tudo você quer saber! Isso é conversa de gente grande. Depois eu te dou. Depois eu deixo. Depois eu te levo. Depois eu conto. Agora não, depois!
Deixa seu pai descansar – ele está cansado, trabalhou o dia todo. Você precisa ser muito bonzinho com ele, meu filho. Ele gosta tanto de você. Tudo que ele faz é para seu bem. Olha aí, vestiu essa roupa agorinha mesmo, já está toda suja. Fez seus deveres? Você vai chegar atrasado. Chora não filhinho, mamãe está aqui com você. Nosso Senhor não vai deixar doer mais.
Quando você for grande, você também vai poder. Já disse que não, e não, e não! Ah, é assim? – pois você vai ver só quando seu pai chegar. Não fale de boca cheia. Junta a comida no meio do prato. Por causa disso é preciso gritar? Seja homem. Você ainda é muito pequeno pra saber essas coisas. Mamãe tem muito orgulho de você. Cale essa boca! Você precisa cortar esse cabelo.
Sorvete não pode, você tá resfriado. Não sei como você tem coragem de fazer assim com sua mãe. Se você comer agora, depois não janta. Assim você se machuca. Deixa de fita. Um menino desse tamanho, que é que os outros hão de dizer? Você queria que fizessem o mesmo com você? Continua assim que eu te dou umas palmadas. Pensa que a gente tem dinheiro pra jogar fora? Toma juízo menino!
Ganhou agora mesmo e já acabou de quebrar. Que é que você vai querer no dia de seus anos? Agora não, depois, tenho mais o que fazer. Não fica triste não, depois mamãe te dá outro. Você teve saudades de mim? Vou contar só mais uma, tá na hora de dormir. Vem que a mamãe te leva pra caminha. Mamãe te ama, viu! Dá um beijo aqui. Dorme com Deus meu filho!
(Fernando Sabino)