sábado, 28 de maio de 2011

O escorpião e o sapo


         O sapo dormia nas águas calmas da margem do rio quando foi acordado pelo escorpião.

         - Amigo sapo – a voz doce do peçonhento não combinava com sua fama – eu preciso atravessar o rio e não sei nadar. Você não faria o favor de me levar nas tuas costas até a outra margem?

         - Eu hein? – reagiu o sapo – Quem garante que você não vai me ferroar?

         - Sua desconfiança não tem lógica – argumentou o escorpião – Se eu picá-lo, vamos morrer os dois.

         Cedendo aos argumentos do escorpião, o sapo concordou em levá-lo nas costas até a outra margem. Mal deu algumas braçadas, sentiu a dor mortal da ferroada venenosa na cabeça. Moribundo, dirigiu-se ao escorpião:

         - Malvado, por que fez isso? Você prometeu, agora morreremos os dois.

         - Desculpe amigo, não pude evitar. É a minha natureza...

(contada por meu avô na minha infância)


sábado, 21 de maio de 2011

A barriguda e as lavadeiras


         - Eu quero saber quem lhe encheu o bandulho! Diga ou quebro-lhe os ossos!
         - Então Joana, diz logo quem foi...é melhor! Aconselhou a Cleusona.
         Fez-se em torno da moleca um silêncio cheio de curiosidade.
         - Estão vendo! – exclamou a mãe - Não responde essa vira-lata, mas esperem que eu lhes mostro se ela fala ou não!
         As lavadeiras tiveram que tirar-lhe das mãos o cacete, porque a velha queria crescer de novo para a filha.
         - Foi seu Batista – disse ela chorando e cobrindo o rosto com o vestido.
         - O Batista?
         - O vendedor do armazém?
         - Ah, foi aquele cara de bode? – gritou a mãe – Vem cá!
         E agarrando a filha pela mão, arrastou-a até a venda.
         As lavadeiras acompanharam-na ruidosamente.
         A mãe na frente do grande grupo e sem largar o braço da filha que a seguia como um animal puxado pela coleira, ao chegar à porta da venda berrou:
         - Ó Seu João Manoel!
         - Que temos lá? – perguntou de dentro do armazém o vendeiro, atrapalhado pelo serviço.
         - Venho entregar-lhe esta perdida! Seu vendedor a cobriu, deve tomar conta dela.
         - Hein? Mas o que é isso?
         - Foi o Batista - gritaram as lavadeiras.
         - Ó Seu Batista!
         O vendedor respondeu com uma voz de bandido: “Senhor?”
         - Chegue aqui!
         E o criminoso apresentou-se branco como a morte.
         - Que fez o senhor com esta pequena?
         - Não fiz nada não senhor!
         - Foi ele sim! – desmentiu a Joana – Um dia de manhãzinha no capinzal, debaixo da mangueira!
         O mulherio não resistiu e recebeu as palavras com um coro de gargalhadas.
         - Então o senhor anda por aqui a fazer conquistas, hein? – vociferou o patrão balançando a cabeça – Muito bem! Pois agora é tomar conta da guria, e como não gosto de funcionários amigados, pode procurar trabalho em outro lugar.
         Batista não respondeu patavina, abaixou o rosto e retirou-se lentamente.
         Principiaram os comentários, os juízos pró e contra o vendedor, fizeram-se profecias.
         Entretanto a mãe, sem largar a filha, invadira a casa de João Manoel e perseguia o Batista, que preparava já a sua trouxa.
         - Então? – perguntou-lhe – Que tenciona fazer?
         - Vamos! Vamos! Fale! Desembuche!
         - Ora, vá se danar – resmungou o vendedor, agora vermelho de cólera.
         - Vá se danar não senhor! Você há de se casar, ela é de menor!
         - Batista soltou um palavrão enfurecendo a velha, que imediatamente dirigiu-se às lavadeiras:
         - O cara de bode diz que não casa!
         A mulherada reuniu-se de novo, agora agitadas por uma grande indignação.
         - Como não casa!
         - Era só o que faltava!
         - Tem graça!
         - Então ninguém mais pode contar com a honra de sua filha?
         - Se não queria casar por que a emprenhou?
         - Quem não pode não inventa modas!
         - Ou ele casa ou sai daqui com os ossos quebrados!
         - Cleusona! Toma cuidado que o patife não saia por aí!
         - Mas onde está esse ordinário?
         - Saia o canalha!
         - Está fazendo a trouxa!
         - Quer escapar!
         - Por que não fez isso com a tua irmã?
         - Safado!
         - Cachorro!
         - Não deixa sair!
         - Chama a polícia!
         À vista de toda essa agitação o vendeiro foi ter com o Batista:
         - Não saia agora - ordenou-lhe - Fique por enquanto, logo mais lhe direi o que fazer.
         E chegando a uma das portas do armazém gritou:
         - Vão embora. Não quero barulho aqui!
         - Pois então o homem que case – gritaram as lavadeiras.
         - Ou então dê-nos o patife!
         - Fugir é que não!
         - Vamos! Vamos! Volte cada uma para sua obrigação que eu não posso perder tempo – retrucou o vendeiro.
         - Traga-nos então o homem! – exigiu a mãe.
         - Venha o homem! – acompanhou o coro.
         - É preciso dar-lhe uma lição!
         - O rapaz casa! – disse o vendeiro com ar sisudo – Vão descansadas, respondo por ele ou pelo dinheiro que a pequena irá precisar.
         Essas palavras apaziguaram os ânimos e o grupo de lavadeiras aliviou.
         Enquanto isso, sem dar satisfações ao vendeiro, Batista escapava por uma janela aos fundos do armazém, ganhava uma rua paralela e dirigia-se em disparada à Estação Ferroviária da pequena cidade...


sábado, 14 de maio de 2011

Sapão e Ruizinho


          Na cidade de Jaboticabal interior de São Paulo, moram Sapão e Ruizinho, dois amigos inseparáveis. Sapão ostenta o apelido porque gosta de pegar sapos com a mão. Contam atualmente com dez e onze anos repectivamente. Cresceram praticamente juntos, estudam na mesma escola, estão na mesma classe, e sentam-se lado a lado. Suas notas são boas e pode-se dizer que são aplicadíssimos nos estudos. Uma amizade invejável.
         Na pequena cidade interiorana, afora os jogos de bola, a roda de piões, pipas, bolinhas de gude, capturas de passarinhos com arapuca e devorar frutas nas árvores, não há outras atrações que possam entreter os garotos, a não ser o cinema.
         O Cine Politeama é a principal sala de espetáculos da cidade, convém ressaltar que há outro, o Cine Jóia, este bem modesto e acanhado, portanto, o primeiro congrega em maior número os apreciadores da sétima arte. Pela tela panorâmica do Politeama, desfilaram épicos como Sansão e Dalila com Victor Mature e Hedy Lamarr, Os Dez Mandamentos de Cecil B. De Mille, Vinte Mil Léguas Submarinas com Kirk Douglas, Ben Hur estrelado por Charlton Heston, e o maravilhoso nacional Floradas na Serra com Cacilda Becker e Jardel Filho, além de outras fitas de semelhante magnitude.
         Aos domingos à tarde, o Politeama apresenta a tradicional matinê, dedicada especialmente às crianças, alguns pais também acompanham os filhos. É composta por uma fita de longa duração, normalmente um bang-bang, e a seguir um seriado que continua sempre no domingo seguinte, tais como - O Fantasma da Selva, A Ilha do Tesouro, Hopalong Cassidy, atualmente está sendo exibida a série do Durango Kid. O seriado é a principal atração da matinê, mas atração mesmo são os comentários da molecada na semana seguinte:
         - Será que o mocinho vai conseguir se salvar?
         - Não sei, a carruagem caiu da montanha com ele dentro.
         - E a cara do bandidão, você viu?
         - Você viu a cicatriz que o bandidão tinha na cara?
         - Claro, a cicatriz ia de debaixo do olho até a boca.
         - Acho que quando ele comia a comida saia pelo buraco da cicatriz.
         - O mocinho precisa se salvar pra matar o bandidão!
         A bomboniére do Politeama é bem sortida de algodão doce, pipoca, chicletes de bola Ping-Pong, chocolates, balas, amendoim torrado já descascado, e outras tentações. Sapão e Ruizinho preferem amendoim torrado. Os dois gostam de assistir à matinê no segundo andar do Politeama, conhecido pelo cognome de Poleiro.
         - Sapão, o poleiro é bom demais, não fica ninguém na nossa frente.
         - Será que hoje o mocinho mata o bandidão?
         Os pestinhas ficando no poleiro, pretendem mesmo é atirar amendoins embaixo na platéia, assim que a sessão iniciar e as cortinas forem fechadas, o que causa grande irritação no público infantil, e principalmente, no adulto:
         - Vai jogá amendoim na mãe seu filho da ....!!!
         Nessas ocasiões sempre é solicitada a presença do Pai da Moça, apelido do carroceiro Tião, um grandalhão quatro por quatro de impor respeito que atua também como lanterninha no Politeama.
         - Seu Pai da Moça - choraminga a menininha - tão jogando amendoim na gente lá de cima.
         Num tiro o Pai da Moça já está no poleiro, como autoridade constituída chega rosnando alto e bom som:
         - Se eu pego o safado que tá jogando amendoim lá pra baixo ponho pra fora a pescoção, e tem outra, não entra mais no cinema!
         - Viu Ruizinho, falei pra você pará com isso, quase que a gente leva um safanão!
         - Eu né! Pensa que eu também não vi você jogando é!


sexta-feira, 6 de maio de 2011

A esmola


         Carlos tinha por hábito ir para o trabalho a pé. Sua residência era uma casa confortável, com um imenso jardim e uma extensa alameda florida.

         Abrindo o portão, depara-se com um mendigo sentado no chão da calçada, costas apoiadas no muro. Sente pena do pobre homem. Enfia a mão no bolso e saca a carteira. Pensa em dar-lhe um real. Imagina o sofrimento do homem. Pega uma nota de cinco e a repassa ao mendigo, imaginando que, pelo menos naquele dia teria um almoço decente.

         Dia seguinte encontra o mesmo mendigo, no mesmo lugar. Faz nova caridade, com outra nota de cinco reais. Dia após dia, a situação se repete, vira rotina.

         Meses depois, ao abrir o portão, Carlos encontra o mendigo e, como já se habituara a fazer, enfia a mão no bolso. Descobre que esqueceu a carteira em casa.

         - Azar – pensa ele – Não vou voltar. Ele passa um dia sem minha caridade, e hoje não preciso de dinheiro pra nada...

         Cumprimenta educadamente o mendigo e segue seu caminho. Não sem antes ouvir:

         - Pão duro, desgraçado, miserável...!

(história antiga)