sexta-feira, 24 de junho de 2011

Vamos dançar?


Dinho é o sujeito que toda mulher amaria ter como marido. Faz tudo que um chefe de família precisa fazer, e muito mais. Paga as contas, vai ao supermercado, cuida dos filhos nas crises de choro em plena madrugada, inclusive paga os carnês das mal planejadas compras efetuadas pela mulher Cacilda. Sua única exigência é o cuidado que deve ser dado às suas roupas de final de semana – sua calça branca deve estar impecavelmente passada, a camisa bem engomada com o colarinho duro como uma taboa, e os sapatos bem engraxados, esta ultima tarefa realizada pelo Marinho, seu filho mais novo que sempre cobra pelo serviço – algumas balas Juquinha apenas. Dinho também leva o Marinho aos domingos pela manhã no bar do Magrão para tomar sorvetes.
Nas noites de sexta a domingo, Dinho poderá ser encontrado no Bailão, geralmente acompanhado da mulher. Mas vez ou outra, a sogra com alguma desculpa esfarrapada recusa-se a ficar com as crianças, e ele acaba indo sozinho ao baile para alegria das dançarinas colegas do bairro. O tal não nega fogo, é um pé de valsa daqueles e não perde uma música. Mesmo nos intervalos quando os músicos descansam, lá vai o Dinho ao som da vitrola deslizando pelo salão.
O Menezes passa a noite inteira sentado em uma cadeira derrubando uma cerveja atrás da outra, enquanto sua mulher, ao seu lado, balança as cadeiras e ensaia sozinha alguns passos. Se porventura algum cavalheiro se aproxima para convidá-la, ela vira-se de costas para evitar cenas de ciúmes do marido.
Carlão que diz à mulher que está freqüentando reuniões dos alcoólatras anônimos, está sempre no Bailão em companhia da Dorinha. Ela sai de casa com uma bíblia e diz ao feroz marido que vai ao culto interceder pela família, inclusive arrisca-se e insiste para que ele a acompanhe.
Martinha então contraria os princípios da dança, muito embora tenha freqüentado a escola de danças do professor Paulino, não aceita, em hipótese alguma, que seja comandada pelo cavalheiro. Quem dançar com ela terá que ceder aos seus caprichos e aceitar seu estilo, sob pena de ser abandonado em pleno salão.
Além de muitos outros dançarinos e pés de chumbo, mas todos com o objetivo de alegrar-se na arte da dança de salão.

-o-

A canção a seguir foi um dos temas de um filme que assisti há alguns dias, sua história é maravilhosa, chama-se -  “Minha Vida sem Mim.”
Ela levou-me de volta aos meus dezessete / vinte anos, época dos bailinhos de sábado à noite nas casas de amigos. Em toda seleção de músicas lentas, aquelas de dançar coladinhos, esta canção não podia faltar.
Íamos com nossas camisas coloridas e calças boca-de-sino, e as meninas com seus vestidões rodados, sapatinho baixo e meias brancas dobradas sobre o tornozelo...quantas saudades...era tão bom...tão bom...




sexta-feira, 17 de junho de 2011

Conhece a Ratolândia?


Era uma vez no país dos ratos...

Esta é a história de um país chamado Ratolândia.
Ratolândia era um lugar onde todos os ratinhos viviam e brincavam, onde viviam e morriam, e eles viviam da mesma maneira que todos nós.
Também tinham um parlamento, a cada quatro anos havia eleições, e sempre caminhavam rumo às urnas e votavam. Alguns até apanhavam caminhões para votar, cedidos graciosamente, na verdade era uma grande aventura que tinham a cada quatro anos, tal como você e eu.
E a cada dia de eleições, todos os ratinhos habituaram-se a ir às urnas e elegiam um Governo, um governo formado por enormes e gordos gatos negros.
Mas agora, se pensas que é estranho que ratos elejam um governo de gatos, é interessante que olhemos a história de alguns países, e então verás que os ratos talvez não sejam tão estúpidos, e eu não estou a dizer nada contra os gatos.
Eles até eram bons rapazes, eles conduziam o governo com dignidade, aprovavam boas leis, leis que eram boas para os gatos. Mas estas leis que eram boas para os gatos, não eram muito boas para os ratos, uma das leis dizia:
- Que a porta da casa dos ratos, tinha que ter um tamanho suficiente, para que lá coubesse a pata de um gato.
Outra lei dizia:
- Que os ratos só podiam caminhar a uma certa velocidade, para que um gato conseguisse seu almoço, sem muito esforço físico.
Todas essas leis eram muito boas para gatos, porém muito duras para os ratinhos.
E a vida dos ratos era cada vez mais e mais difícil.
E quando os ratos já não suportavam mais, decidiram que alguma coisa tinha que ser feita, e foram em massa às urnas. Votaram contra os gatos negros.
Elegeram GATOS BRANCOS!
Os gatos brancos tinham feito uma campanha genial, disseram:
- O que a Ratolândia precisa é de mais visão. O problema da Ratolândia, são as pequenas entradas redondas das casas dos ratos. Se vocês nos elegerem, faremos entradas quadradas, mais amplas.
E assim fizeram.
As entradas quadradas ficaram com o dobro do tamanho das redondas – agora os gatos podiam colocar lá as duas patas, e a vida ficou ainda mais dura.
E quando não podiam suportar mais, votaram contra os gatos brancos, e puseram lá de novo os gatos negros, para quase que imediatamente regressarem aos gatos brancos, e depois novamente os gatos negros.
Até tentaram com gato metade negro e metade branco, e chamaram a isso - “Coligação.”
Tentaram também um governo com gatos malhados, eram gatos que tentavam falar como ratos, mas comiam como gatos.
Como você está vendo, o problema não estava na cor dos gatos, o problema estava no fato de serem gatos! E porque eram gatos, eles naturalmente defendiam os interesses dos gatos, e não dos ratos.
Finalmente chegou de longe um pequeno ratinho, muito inteligente, e que tinha uma idéia para solucionar todo aquele problema.
- Meus amigos – disseram os ratos – estejam atentos ao companheiro que possui uma idéia.
E ele disse à multidão de ratinhos:
- Vejam amigos, porque continuamos a eleger um governo maioritário de gatos? Porque não elegemos um governo com maioria de ratos?
- OHHH – disseram – ÉS UM COMUNISTA! CHAMEMOS OS GATOS!!!
E assim por ser muito inteligente e capaz, o colocaram na prisão.
Finalizando, desejo recordá-los que - “Podem encarcerar um rato ou um homem, mas não podem encarcerar uma idéia.”
Tommy C.Douglas
(1904 – 1986)

Tudo que é preciso para o triunfo do mal, é que as pessoas de bem nada façam.”


sábado, 11 de junho de 2011

Que situação incômoda!


Familiares, vizinhos, amigos, ninguém, absolutamente ninguém estranhou quando Sinval separou-se da Lindalva, após um casamento de vinte e cinco anos.  Com a família já constituída, filhos casados, casa própria que ficou para a mulher, interessante que se diga também, após o casamento Lindalva cursou duas faculdades, a de jornalismo e outra de psicologia, enfim, não haveria dificuldades nessa separação. A relação entre os dois esfriara muito, desde que Sinval soubera da traição da mulher com um fortão da vizinhança, um escândalo na ocasião, mas que Sinval deixou pra lá pelo bem da família. Dormiam em quartos separados desde então.  
- Sinval, é absolutamente inaceitável uma coisa dessas – indignou-se Lindalva na imensa casa de Sinval – que você me abandonasse pra ficar com uma mulher tudo bem, eu até aceitava, mas arrumar um marido, o que significa isso? Nunca notei que você possuía essa tendência, que fosse um desses...
- Ôpa, ôpa, vê lá o que você vai falar, não venha com paus e pedras – respondeu Sinval encostando-se na parede – não é o que você está imaginando.
- Como não é? Você de caso com um homem, e nessa idade! Você não passa de um sujo, tratante, desprovido de qualquer decência ou caráter, estúpido e desprezível.
- Eu posso explicar, se você se acalmar eu explico tudo.
- Não tem explicação Sinval, você ao menos imagina o que eu e nossos filhos estamos passando? Você tem idéia do constrangimento terrível que estamos sofrendo com a família, vizinhos, amigos, pelo fato de você estar vivendo nesta casa com um homem? Você tem idéia?
- Lindalva, nem eu, nem você e nossos filhos, precisam dar satisfações a quem quer que seja, estou vivendo de forma honesta e correta?
- Correta? Você chama isso de vida correta? Dá licença!
- Olha, é o seguinte, sente-se que explico tudo.
- Lindalva, após alguns meses da nossa separação perdi o emprego. Foram dias terríveis. Uma noite recebo uma ligação do Arnaldo, amigo de infância e atualmente um advogado conceituado e muito atuante. Encontramo-nos em um bar para bebermos alguma coisa, foi quando lhe contei a respeito da minha crítica situação financeira, inclusive sobre a ameaça de despejo. Separado também e sem ninguém para cuidar desta casa, Arnaldo disse-me que necessitava de um secretário e pediu-me que fosse morar com ele, em troca me daria um excelente salário. Aqui estou portanto, cuido da casa, oriento os empregados, faço compras, pago as contas, cuido da sua roupa e agenda, tenho meu quarto e minha televisão, entendeu?
- Mesmo assim Sinval, é algo extremamente difícil de se aceitar e explicar aos outros, me desculpe mesmo!
- Lindalva, se a sua preocupação é a de que mantemos contato sexual pode ficar tranqüila, jamais aconteceu e nem acontecerá, Arnaldo é um mulherengão de mão cheia e você me conhece muito bem, sou chegado numa gostosa, principalmente se for coxuda.
- Não sei Sinval, vai ser difícil me convencer. – respondeu Lindalva balançando a cabeça.
- Lindalva – retruca Sinval já um tanto irritado - pra liquidarmos essa conversa de uma vez por todas. A pensão e o convênio médico que te pago, teu cartão de crédito, presentes para os filhos e netos, roupas pra você, tudo isso sai do salário que recebo do Arnaldo – tá bom ou quer mais?
Lindalva não falou mais nada, apenas retirou-se de cabeça baixa...
                                                  
                                                    -0-

Meu povo, este site http://desaparecidas-ajude.blogspot.com/ realiza um trabalho maravilhoso em prol de várias campanhas, e o resultado depende da boa divulgação.
Quem puder visitá-lo e conhecê-lo, agradecemos.
                                                 




sábado, 4 de junho de 2011

Salão do Mazinho


O salão do Mazinho é um daqueles lugares agradáveis e que atrai muitos homens, principalmente aos sábados. O silêncio no local é algo inexistente, improvável, e justifica-se, Mazinho é um apaixonado em contar “causos” e piadas. De estrutura simples, possui apenas uma cadeira para o exercício da profissão. Mazinho é um barbeiro das antigas, ainda usa a toalhinha quente para amaciar a barba.
Hoje o salão encontra-se lotado, tem gente saindo pelo ladrão, lá estão o Pernambuco, o Jabuti - assim chamado devido sua baixa estatura e também por ser gordinho, praticamente sem pescoço e com as pernas curtas, o Romeu, o Tigrão, o Biguá, o Cruz-Credo - fanático corintiano, e o Ferreirinha -  o mentiroso da turma.
Não é raro aparecer cliente e desistir da empreitada em virtude da quantidade de pessoas no salão, no que imediatamente alerta o Mazinho:
         - Amigo, pode chegar, desse pessoal todo só dois vão cortar, o resto tá aqui só prá encher o saco!
         - Tigrão – berra o Jabuti – Na primeira vez que você fez amor, o que tua namorada disse?
         - Bééééé....bééééé – responde o cínico!
         Uma piada aqui, outra ali, até que uma ladainha surge em frente à barbearia – é um Préstito Religioso – a popular procissão.
         - Ohhhhh Virgem Maaaaria....
         O Biguá não resiste e dispara em direção à procissão:
         - Todo mundo aí vai pro céu, viu!
         - Devagar com o andor que o santo é de barro!
         Risos aqui e ali quando o Cruz-Credo sussurra que o certo era cantar assim:
         - Ohhh Virgem Maaaaria, queeee bicho queeee deu?
         - Aaaaave, aaaave, aaaavestruz, aaaaave, aaaave, aveeestruz.
         Se o salão do Mazinho não é bem alicerçado, acredito que o mesmo poderia ter desmoronado tal a algazarra que se fez.
         - Isso não é nada – começou o mentiroso do Ferreirinha – numa procissão dessas daí uma beata tropeçou e encostou a vela no traseiro da beata que tava  na frente, queimando aquela parte todinha. A colega que estava ao lado presenciou horrorizada a cena. Avisou a companheira na mesma cantoria:
         - Comadre Maaaria, tua bunda está deeeee fora!
         E a procissão respondeu em coro:
         - Isto é uma veeeergonha, praaaa Nossa Seeeenhora.
         Risos, chutes na parede, o Jabuti sentado dava tapas no joelho e sacudia as perninhas, o Romeu engasgou e o Tigrão chorava.
         - Olha essa barulheira aí seus desocupados – grita a Rosa da sacada de sua casa sobre o salão, uma sessentona que segundo a vizinhança ainda é virgem – Estou com meu noivo em casa, faz favor!!!
- Eh Mazinho – provoca o Pernambuco dando uma piscadela - manda aquela do papagaio perneta!


sexta-feira, 3 de junho de 2011

Votação


Gente, a Mazé do blogue http://umpensamentovirtual.blogspot.com/ está necessitando de votos. Quem puder ajudá-la acessar http://dado.pag.zip.net/ . No quadro central  rolem até o Confronto 6 e cliquem no nome da Mazé.
Muito grato a todos.



sábado, 28 de maio de 2011

O escorpião e o sapo


         O sapo dormia nas águas calmas da margem do rio quando foi acordado pelo escorpião.

         - Amigo sapo – a voz doce do peçonhento não combinava com sua fama – eu preciso atravessar o rio e não sei nadar. Você não faria o favor de me levar nas tuas costas até a outra margem?

         - Eu hein? – reagiu o sapo – Quem garante que você não vai me ferroar?

         - Sua desconfiança não tem lógica – argumentou o escorpião – Se eu picá-lo, vamos morrer os dois.

         Cedendo aos argumentos do escorpião, o sapo concordou em levá-lo nas costas até a outra margem. Mal deu algumas braçadas, sentiu a dor mortal da ferroada venenosa na cabeça. Moribundo, dirigiu-se ao escorpião:

         - Malvado, por que fez isso? Você prometeu, agora morreremos os dois.

         - Desculpe amigo, não pude evitar. É a minha natureza...

(contada por meu avô na minha infância)


sábado, 21 de maio de 2011

A barriguda e as lavadeiras


         - Eu quero saber quem lhe encheu o bandulho! Diga ou quebro-lhe os ossos!
         - Então Joana, diz logo quem foi...é melhor! Aconselhou a Cleusona.
         Fez-se em torno da moleca um silêncio cheio de curiosidade.
         - Estão vendo! – exclamou a mãe - Não responde essa vira-lata, mas esperem que eu lhes mostro se ela fala ou não!
         As lavadeiras tiveram que tirar-lhe das mãos o cacete, porque a velha queria crescer de novo para a filha.
         - Foi seu Batista – disse ela chorando e cobrindo o rosto com o vestido.
         - O Batista?
         - O vendedor do armazém?
         - Ah, foi aquele cara de bode? – gritou a mãe – Vem cá!
         E agarrando a filha pela mão, arrastou-a até a venda.
         As lavadeiras acompanharam-na ruidosamente.
         A mãe na frente do grande grupo e sem largar o braço da filha que a seguia como um animal puxado pela coleira, ao chegar à porta da venda berrou:
         - Ó Seu João Manoel!
         - Que temos lá? – perguntou de dentro do armazém o vendeiro, atrapalhado pelo serviço.
         - Venho entregar-lhe esta perdida! Seu vendedor a cobriu, deve tomar conta dela.
         - Hein? Mas o que é isso?
         - Foi o Batista - gritaram as lavadeiras.
         - Ó Seu Batista!
         O vendedor respondeu com uma voz de bandido: “Senhor?”
         - Chegue aqui!
         E o criminoso apresentou-se branco como a morte.
         - Que fez o senhor com esta pequena?
         - Não fiz nada não senhor!
         - Foi ele sim! – desmentiu a Joana – Um dia de manhãzinha no capinzal, debaixo da mangueira!
         O mulherio não resistiu e recebeu as palavras com um coro de gargalhadas.
         - Então o senhor anda por aqui a fazer conquistas, hein? – vociferou o patrão balançando a cabeça – Muito bem! Pois agora é tomar conta da guria, e como não gosto de funcionários amigados, pode procurar trabalho em outro lugar.
         Batista não respondeu patavina, abaixou o rosto e retirou-se lentamente.
         Principiaram os comentários, os juízos pró e contra o vendedor, fizeram-se profecias.
         Entretanto a mãe, sem largar a filha, invadira a casa de João Manoel e perseguia o Batista, que preparava já a sua trouxa.
         - Então? – perguntou-lhe – Que tenciona fazer?
         - Vamos! Vamos! Fale! Desembuche!
         - Ora, vá se danar – resmungou o vendedor, agora vermelho de cólera.
         - Vá se danar não senhor! Você há de se casar, ela é de menor!
         - Batista soltou um palavrão enfurecendo a velha, que imediatamente dirigiu-se às lavadeiras:
         - O cara de bode diz que não casa!
         A mulherada reuniu-se de novo, agora agitadas por uma grande indignação.
         - Como não casa!
         - Era só o que faltava!
         - Tem graça!
         - Então ninguém mais pode contar com a honra de sua filha?
         - Se não queria casar por que a emprenhou?
         - Quem não pode não inventa modas!
         - Ou ele casa ou sai daqui com os ossos quebrados!
         - Cleusona! Toma cuidado que o patife não saia por aí!
         - Mas onde está esse ordinário?
         - Saia o canalha!
         - Está fazendo a trouxa!
         - Quer escapar!
         - Por que não fez isso com a tua irmã?
         - Safado!
         - Cachorro!
         - Não deixa sair!
         - Chama a polícia!
         À vista de toda essa agitação o vendeiro foi ter com o Batista:
         - Não saia agora - ordenou-lhe - Fique por enquanto, logo mais lhe direi o que fazer.
         E chegando a uma das portas do armazém gritou:
         - Vão embora. Não quero barulho aqui!
         - Pois então o homem que case – gritaram as lavadeiras.
         - Ou então dê-nos o patife!
         - Fugir é que não!
         - Vamos! Vamos! Volte cada uma para sua obrigação que eu não posso perder tempo – retrucou o vendeiro.
         - Traga-nos então o homem! – exigiu a mãe.
         - Venha o homem! – acompanhou o coro.
         - É preciso dar-lhe uma lição!
         - O rapaz casa! – disse o vendeiro com ar sisudo – Vão descansadas, respondo por ele ou pelo dinheiro que a pequena irá precisar.
         Essas palavras apaziguaram os ânimos e o grupo de lavadeiras aliviou.
         Enquanto isso, sem dar satisfações ao vendeiro, Batista escapava por uma janela aos fundos do armazém, ganhava uma rua paralela e dirigia-se em disparada à Estação Ferroviária da pequena cidade...


sábado, 14 de maio de 2011

Sapão e Ruizinho


          Na cidade de Jaboticabal interior de São Paulo, moram Sapão e Ruizinho, dois amigos inseparáveis. Sapão ostenta o apelido porque gosta de pegar sapos com a mão. Contam atualmente com dez e onze anos repectivamente. Cresceram praticamente juntos, estudam na mesma escola, estão na mesma classe, e sentam-se lado a lado. Suas notas são boas e pode-se dizer que são aplicadíssimos nos estudos. Uma amizade invejável.
         Na pequena cidade interiorana, afora os jogos de bola, a roda de piões, pipas, bolinhas de gude, capturas de passarinhos com arapuca e devorar frutas nas árvores, não há outras atrações que possam entreter os garotos, a não ser o cinema.
         O Cine Politeama é a principal sala de espetáculos da cidade, convém ressaltar que há outro, o Cine Jóia, este bem modesto e acanhado, portanto, o primeiro congrega em maior número os apreciadores da sétima arte. Pela tela panorâmica do Politeama, desfilaram épicos como Sansão e Dalila com Victor Mature e Hedy Lamarr, Os Dez Mandamentos de Cecil B. De Mille, Vinte Mil Léguas Submarinas com Kirk Douglas, Ben Hur estrelado por Charlton Heston, e o maravilhoso nacional Floradas na Serra com Cacilda Becker e Jardel Filho, além de outras fitas de semelhante magnitude.
         Aos domingos à tarde, o Politeama apresenta a tradicional matinê, dedicada especialmente às crianças, alguns pais também acompanham os filhos. É composta por uma fita de longa duração, normalmente um bang-bang, e a seguir um seriado que continua sempre no domingo seguinte, tais como - O Fantasma da Selva, A Ilha do Tesouro, Hopalong Cassidy, atualmente está sendo exibida a série do Durango Kid. O seriado é a principal atração da matinê, mas atração mesmo são os comentários da molecada na semana seguinte:
         - Será que o mocinho vai conseguir se salvar?
         - Não sei, a carruagem caiu da montanha com ele dentro.
         - E a cara do bandidão, você viu?
         - Você viu a cicatriz que o bandidão tinha na cara?
         - Claro, a cicatriz ia de debaixo do olho até a boca.
         - Acho que quando ele comia a comida saia pelo buraco da cicatriz.
         - O mocinho precisa se salvar pra matar o bandidão!
         A bomboniére do Politeama é bem sortida de algodão doce, pipoca, chicletes de bola Ping-Pong, chocolates, balas, amendoim torrado já descascado, e outras tentações. Sapão e Ruizinho preferem amendoim torrado. Os dois gostam de assistir à matinê no segundo andar do Politeama, conhecido pelo cognome de Poleiro.
         - Sapão, o poleiro é bom demais, não fica ninguém na nossa frente.
         - Será que hoje o mocinho mata o bandidão?
         Os pestinhas ficando no poleiro, pretendem mesmo é atirar amendoins embaixo na platéia, assim que a sessão iniciar e as cortinas forem fechadas, o que causa grande irritação no público infantil, e principalmente, no adulto:
         - Vai jogá amendoim na mãe seu filho da ....!!!
         Nessas ocasiões sempre é solicitada a presença do Pai da Moça, apelido do carroceiro Tião, um grandalhão quatro por quatro de impor respeito que atua também como lanterninha no Politeama.
         - Seu Pai da Moça - choraminga a menininha - tão jogando amendoim na gente lá de cima.
         Num tiro o Pai da Moça já está no poleiro, como autoridade constituída chega rosnando alto e bom som:
         - Se eu pego o safado que tá jogando amendoim lá pra baixo ponho pra fora a pescoção, e tem outra, não entra mais no cinema!
         - Viu Ruizinho, falei pra você pará com isso, quase que a gente leva um safanão!
         - Eu né! Pensa que eu também não vi você jogando é!


sexta-feira, 6 de maio de 2011

A esmola


         Carlos tinha por hábito ir para o trabalho a pé. Sua residência era uma casa confortável, com um imenso jardim e uma extensa alameda florida.

         Abrindo o portão, depara-se com um mendigo sentado no chão da calçada, costas apoiadas no muro. Sente pena do pobre homem. Enfia a mão no bolso e saca a carteira. Pensa em dar-lhe um real. Imagina o sofrimento do homem. Pega uma nota de cinco e a repassa ao mendigo, imaginando que, pelo menos naquele dia teria um almoço decente.

         Dia seguinte encontra o mesmo mendigo, no mesmo lugar. Faz nova caridade, com outra nota de cinco reais. Dia após dia, a situação se repete, vira rotina.

         Meses depois, ao abrir o portão, Carlos encontra o mendigo e, como já se habituara a fazer, enfia a mão no bolso. Descobre que esqueceu a carteira em casa.

         - Azar – pensa ele – Não vou voltar. Ele passa um dia sem minha caridade, e hoje não preciso de dinheiro pra nada...

         Cumprimenta educadamente o mendigo e segue seu caminho. Não sem antes ouvir:

         - Pão duro, desgraçado, miserável...!

(história antiga)

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Para nossos filhos, netos...


O texto abaixo foi publicado por ocasião da morte estúpida de Tarcila Gusmão e Maria Eduarda, ambas de 16 anos, em uma cidade do litoral nordestino.

Depois de 13 dias desaparecidas, os pais revelaram “desconhecer” os proprietários da casa onde as filhas tinham ido “curtir” o final de semana.

A tragédia abalou a opinião pública, e após vários anos o crime permanece sem solução.


“MÃES E PAIS MAUS”

Um dia quando nossos filhos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, haveremos de dizer-lhes:

- Nós os amamos o suficiente para ter perguntado aonde iam, com quem iam, e a que horas regressariam.

- Nós os amamos o suficiente por não termos ficado em silêncio e fazer com que vocês soubessem que aquele novo amigo ou amiga, não era boa companhia.

- Nós os amamos o suficiente para os fazer pagar as balas que tiraram do supermercado ou revistas do jornaleiro, e os fazer dizer ao dono: “Nós pegamos isto ontem e queríamos pagar”.

- Nós os amamos o suficiente para ter ficado em pé junto de vocês, duas horas, enquanto limpavam o seu quarto, tarefa que teríamos feito em quinze minutos.

- Nós os amamos o suficiente para os deixar ver além do amor que sentíamos por vocês, também o desapontamento e a tristeza por algo que vocês fizeram, e as lágrimas nos nossos olhos.

- Nós os amamos o suficiente para os deixar assumir a responsabilidade das suas ações, mesmo quando as penalidades eram tão duras que partiam nossos corações.

- Mais do que tudo, nós os amamos o suficiente para dizer-lhes “não”, quando sabíamos que vocês poderiam nos odiar por isso (e em muitos momentos nos odiaram, talvez tenham desejado até nossa morte).

         Essas eram as mais difíceis batalhas de todas.

         Poderíamos ficar mais felizes se tivéssemos a certeza que vocês estão vencendo, pois a vitória de vocês seria também a nossa vitória, mas nos parece que estão enfrentando dificuldades, algumas poderiam ter sido evitadas, fomos chatos o suficiente para alertá-los sobre os perigos, mas enfim, daqui para frente deverá haver luta, determinação e principalmente, honestidade e correção em suas atitudes, pois em grande parte de suas vidas, o que não vai demorar, seremos apenas uma foto na parede.

         E se algum dia, quando nossos netos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, quando lhes perguntarem se seus pais eram maus, digam-lhes:

“Sim, nossos pais eram maus. Eram os piores pais do mundo”.

- As outras crianças comiam doces no café e nós tínhamos que comer cereais, ovos e torradas.

- As outras crianças bebiam refrigerantes e comiam batatas fritas e sorvete no almoço, e nós tínhamos que comer arroz, feijão, carne, legumes e frutas.

- Eles nos obrigavam jantar à mesa, bem diferente dos outros pais que deixavam seus filhos comerem vendo televisão.

- Nossos pais tinham que saber quem eram nossos amigos, e o que fazíamos com eles.

- Insistiam que lhes disséssemos com quem íamos sair, mesmo que demorássemos apenas uma hora ou menos.

- Eles “violavam” as leis do trabalho infantil.

- Nós tínhamos que tirar a louça da mesa, arrumar nossas bagunças, esvaziar o lixo, e fazer todo esse tipo de trabalho que achávamos cruéis.

- Eu acho que eles nem dormiam à noite pensando em coisas para nos mandar fazer.

- Eles insistiam sempre conosco para que lhes disséssemos sempre a verdade e apenas a verdade.

- Quando éramos adolescentes, tínhamos certeza, eles conseguiam até ler os nossos pensamentos.

- A nossa vida era a pior de todas.

- Eles não deixavam os nossos amigos tocarem a buzina para que saíssemos, tinham que subir, bater à porta para que os conhecessem.

- Enquanto todos podiam voltar tarde da noite com 12 anos, tivemos que esperar pelos 16 para chegar um pouco mais tarde, e aqueles dois chatos levantavam sorridentes para saber se a festa tinha sido boa (mentira, só para ver qual era nosso estado e olhar nossos olhos se estavam vermelhos).

- Eles exigiam que os respeitássemos a todo o custo, que tivéssemos uma igreja, que estudássemos, que não faltássemos à faculdade, insistiam em saber onde estávamos a toda hora, tocavam nosso celular de madrugada, “fuçavam” nos nossos emails e bilhetes, invadiam a nossa privacidade espionando nossos bolsos, nossas gavetas, nossas carteiras, nossa vida era um inferno, não tínhamos um minuto de paz...era praticamente uma prisão.

         Meus filhos, diante do que mencionamos anteriormente, e já no limite insuportável do desespero, recordando as muitas experiências que perdemos em nossa adolescência e juventude, não nos restou outra alternativa senão convocarmos nossos pais e lhes informarmos que havíamos instituído um tribunal, os dois foram devidamente julgados, condenados, e lhes apresentamos a sentença final, inapelável:

- “VOCÊS NOSSOS PAIS AQUI PRESENTES, FORAM OS ÚNICOS E ABSOLUTAMENTE RESPONSÁVEIS POR NENHUM DE NÓS JAMAIS NOS ENVOLVERMOS EM DROGAS E OUTROS VÍCIOS, EM ROUBOS, EM ATOS DE VANDALISMOS, EM VIOLAÇÃO DA PROPRIEDADE ALHEIA, POR NÃO TERMOS SIDO PRESOS POR NENHUM CRIME, POR IDENTIFICARMOS IMEDIATAMENTE AS MÁS COMPANHIAS, E PRINCIPALMENTE, POR TERMOS APRENDIDO A LUTAR CORRETAMENTE POR NOSSAS VIDAS.”

“NÓS OS RESPONSABILIZAMOS DIRETAMENTE POR TUDO ISSO”

         Agora que já somos adultos, honestos, educados, e temos vocês como nossos filhos, iremos fazer o possível e o impossível para sermos “PAIS MAUS”, da mesma forma que demonstrando muito amor, foram nossos pais.

         Porque???

         Porque um dos piores males do mundo de hoje, é que não há mais Pais e Mães “maus”...antes eram esses “maus” que mandavam...hoje em milhares de famílias são os filhos que mandam...muitos desses filhos estão mandando de dentro das cadeias...para esses filhos o caminho largo foi o mais fácil...para eles foi mais interessante obedecer o outro lado da vida...


quinta-feira, 21 de abril de 2011

O Astronauta


            Aproximou-se da linda moça e perguntou-lhe o nome. Ela o encarou de alto a baixo antes de responder.
         - Brigitte. Você é alguma pessoa importante? Digo isso porque só me relaciono com gente fina, de renome. Você só vai me ver ao lado de artistas famosos, profissionais de alta costura, presidentes e grandes escritores. Portanto, para que minha imagem fique preservada, antes de conversarmos preciso saber se você é pessoa importante.
         Ele de olho fixo nos dela ficou presenciando sua beleza incomparável, e concordou que de fato ela poderia chamar-se Brigitte.
         - Sou pessoa muito importante sim. Sou astronauta, e aquela é minha nave. Se você for boazinha posso levá-la a passear comigo. Grandes nomes nela navegaram pelo espaço sideral. Chamo-me Gagarin, e conheço muito bem o espaço, inclusive já estive na lua. Pensando bem, recordo-me que assisti vários dos seus filmes, inclusive se me permite, sou seu fã.
         - Também ouvi falar de você Gagarin, posso passar a mão na sua nave?
         Ela alisava a nave boquiaberta, os que passavam olhavam com inveja, ela se engrandecia. Ele apontava para o céu nos locais em que já havia navegado, abria os braços e mostrava como a nave se desviava dos asteróides, e grandioso a informava como todas as barreiras do espaço por ele foram superadas.
         Sentiu um frio de medo quando ele a convidou para uma voltinha no espaço.
         - Não precisa temer absolutamente nada, sou o maior dos astronautas, eu a levarei em segurança por entre as estrelas – ela concordou, e de mãos dadas caminharam em direção à nave.
         Ele fez com que ela vestisse a roupa apropriada e partiram rumo ao espaço infinito.
         - Segure firme, caso sinta medo feche os olhos por alguns instantes, mas depois abra-os para admirar a beleza do azul imenso – viajaram por horas até retornarem.
         - Gagarin, se você soubesse como estou feliz, você é a pessoa mais importante da minha vida, supera a todos que conheço.
         - Puxa Brigitte, que bom, quer ir até a lua?
         Felizes entraram novamente na nave e se dirigiram ao espaço rumo à lua.
         No pátio, um enfermeiro chamava a atenção do outro para a estranhíssima posição em que se encontravam aquela feiosa e o sujeito doidão recém internado.
         Não é por nada não, mas pareciam flutuar.


quinta-feira, 14 de abril de 2011

Para um amigo


Não vou dizer que desconfio da minha mulher, mas confesso que por diversas vezes imagino que pela cabeça da madame, não passam idéias lá muito boas, isso desde que mudou para cá o vizinho do 455.
Fazíamos compras mensais, agora são feitas aos picadinhos. Dirige-se à quitanda pelo menos umas quatro vezes ao dia, sem contar as idas ao açougue, isso tudo só para passar na porta (e janela) do 455.
Outro dia ao fazer uma campana na minha querida, ao melhor estilo policial, flagrei-a num alegre tchauzinho, e muito embora ela tenha jurado que foi para mim, não acreditei, há anos ela não faz isso.
Há tanto tempo morando nesta rua, agora ela resolveu fazer amizade com a vizinha ao lado do 455, até então considerada insuportável pela minha esposa, e vira e mexe lá está ela em longos bate-papos. E o ciclano que já deve ter percebido a quedinha da minha mulher pela sua pessoa, fica gastando o cotovelo na janela feito uma candinha vendo a banda passar. Reclamei certa vez quando ela vinha da feira e o tal prontificou-se para trazer o carrinho até o nosso portão, numa gentileza sem limites, envenenado gritei: - Só faltava o atrevido entrar e colocar as frutas e legumes nas gavetas da geladeira, não é mesmo? Ela retrucou em prantos que meu coração era duro e insensível, que o pobre morava só, não tinha ninguém, disse ainda que pelas mentes deturpadas só passam coisas ruins.
A calçada de casa nunca foi tão lavada como nos últimos tempos, prova disso é a conta de água que aumentou consideravelmente. Outro dia pensei em rasgar ou dar fim naquele short insinuante e provocante que estava guardado e atualmente ela vem usando quando lava a calçada, mas refletindo considerei que a coisa não é bem por aí.
Diversas noites fingindo dormir, peguei-a diante do espelho usando aqueles cremes de beleza e enrijecedor de seios, fora as massagens nas pernas com produtos para combater celulite e flacidez. Tudo isso me leva a crer - essa mulher está mesmo é de miolo mole.
Tenho rezado de joelhos, feito promessas que juro pagar, porém até agora os resultados foram nenhum. Venho implorar ao amigo que juntamente com sua família e outros amigos, iniciem uma corrente de orações para que livrem minha mulher de qualquer pensamento de traição, e que ela enxergue somente a mim.
Caso isso seja impossível, fazer mudar para bem longe, se for o caso lá prá conchichina, o infeliz do 455.


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um certo Domingo...


-O que cê tem?
          - Mô, to falando contigo! O que cê tem?
- Nada benzão, to quieto, só isso. Porque?
- É que você tá um tempão aí sentado olhando pro alto.
- Nada não.
- Como nada não? Quase nunca você fica assim.
- Tô um pouco nostálgico hoje.
- Nostálgico? Ué, porque?
- É que hoje é domingo, só isso.
- E o que tem que hoje é domingo?
- Aos domingos fico um pouco assim amor, amanhã tenho que trabalhar.
- Só que hoje tá diferente, você tá muito esquisito.
- Esquisito eu? Porque?
- Tá sim. Tô observando.
- Então o que a senhora tá observando?
- Você nem ligou a televisão ainda.
- É que agora não tem nada que presta.
- E o futebol?
- Futebol é só às quatro amor.
- Mesmo assim, você tá muito estranho hoje.
- Era o que faltava, você cismar comigo justo hoje.
- Quer dizer que tô cismada à toa é?
- Claro que tá. Depois do almoço gosto de ficar quieto.
- Almoço? Você falou almoço?
- Sim amor, almoço. Porque?
- Pensa que não te observei no almoço é?
- Pronto, lá vem você com mais coisa.
- Mais coisa não senhor. Olha só, fiz teu prato no maior carinho e você nem tocou na comida. Joguei tudo fora.
- É que tô meio sem fome hoje.
- Meio sem fome é! Você ao menos imagina o trabalhão de deu pra fazê o almoço?
- Tô sem fome, fazê o que?
- Só pra teu governo, levantei cedinho e fiz aquela macarronada ao molho branco com cogumelos e presunto picado que o senhor nem notou. Fiz também frango assado com batatas e salada de rúcula com espinafre que você adora.
- Fazê o que, não dá pra comer sem fome.
- Devia ter comido pelo menos a sobremesa, não é mesmo?
- Sobremesa??
- Sim, sobremesa - gelatina de framboesa que você pede sempre, aposto que nem viu!!
- Vi sim, é que sem fome não dá pra comer nada amor.
- Tá vendo só! E você ainda diz que não tem nada. Como não tem nada?
- Amor, será que eu podia ficá um pouco quieto? Posso?
- Tá bom, tá bom, então fica aí olhando pro nada, certo?
- Vou ficá sim, por favor!
- Tá, tá, mas pelo menos posso fazê uma última pergunta? Posso?
- Claro que pode amor, vai!
- O que cê tem?
- Não tenho nada, pô!


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Menino



Menino, vem pra dentro, olha o sereno! Vai lavar essa mão. Já escovou os dentes? Toma a benção a seu pai. Já pra cama!
Onde aprendeu isso menino? – coisa mais feia. Toma modos. Hoje você fica sem sobremesa. Onde é que você estava? Agora chega, menino, tenha santa paciência.
De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Isso, assim que eu gosto: menino educado, obediente. Está vendo? É só a gente falar. Desce daí, menino! Me prega cada susto...para com isso! Joga isso fora. Uma boa surra dava jeito nisso. Que é que você andou arranjando? Quem te ensinou esses modos? Passe pra dentro. Isso não é gente para ficar andando com você.
Avise seu pai que o jantar tá na mesa. Você prometeu, tem de cumprir. Que é que você vai ser quando crescer? Não, chega: você já repetiu duas vezes. Por que você está quieto aí? Alguma coisa está tramando...não anda descalço, já disse! – vai calçar o sapato. Já tomou remédio? Tem de comer tudo, você tá virando um palito. Quantas vezes já te disse para não mexer aqui? Esse barulho, menino! – teu pai tá dormindo. Para com essa correria dentro de casa, vai brincar lá fora. Você vai acabar caindo daí. Pede licença a seu pai primeiro. Isso é maneira de responder à sua irmã? Se não fizer, fica de castigo. Segura o garfo direito. Põe a camisa pra dentro da calça. Fica perguntando, tudo você quer saber! Isso é conversa de gente grande. Depois eu te dou. Depois eu deixo. Depois eu te levo. Depois eu conto. Agora não, depois!
Deixa seu pai descansar – ele está cansado, trabalhou o dia todo. Você precisa ser muito bonzinho com ele, meu filho. Ele gosta tanto de você. Tudo que ele faz é para seu bem. Olha aí, vestiu essa roupa agorinha mesmo, já está toda suja. Fez seus deveres? Você vai chegar atrasado. Chora não filhinho, mamãe está aqui com você. Nosso Senhor não vai deixar doer mais.
Quando você for grande, você também vai poder. Já disse que não, e não, e não! Ah, é assim? – pois você vai ver só quando seu pai chegar. Não fale de boca cheia. Junta a comida no meio do prato. Por causa disso é preciso gritar? Seja homem. Você ainda é muito pequeno pra saber essas coisas. Mamãe tem muito orgulho de você. Cale essa boca! Você precisa cortar esse cabelo.
Sorvete não pode, você tá resfriado. Não sei como você tem coragem de fazer assim com sua mãe. Se você comer agora, depois não janta. Assim você se machuca. Deixa de fita. Um menino desse tamanho, que é que os outros hão de dizer? Você queria que fizessem o mesmo com você? Continua assim que eu te dou umas palmadas. Pensa que a gente tem dinheiro pra jogar fora? Toma juízo menino!
Ganhou agora mesmo e já acabou de quebrar. Que é que você vai querer no dia de seus anos? Agora não, depois, tenho mais o que fazer. Não fica triste não, depois mamãe te dá outro. Você teve saudades de mim? Vou contar só mais uma, tá na hora de dormir. Vem que a mamãe te leva pra caminha. Mamãe te ama, viu! Dá um beijo aqui. Dorme com Deus meu filho!
(Fernando Sabino)